PSICOPATOLOGIA INFANTIL E TRANSTORNOS INVASIVOS DO DESENVOLVIMENTO




Basta conversar com uma professora de qualquer escola, seja ela pública ou privada, para se dar conta do número cada vez mais freqüente de crianças que apresentam sintomas compatíveis com diversos transtornos mentais descritos atualmente como referentes à infância. A importância das informações do professor para que o médico faça o diagnóstico é imprescindível, assim como o auxílio do regente de sala para que um tratamento psicoterápico seja mais eficaz.

Iremos aqui iniciar uma pequena explanação sobre a Psicopatologia específica da infância, dando ênfase aos Transtornos Invasivos do Desenvolvimento e também ao Transtorno Opositivo Desafiador. Posteriormente iremos tratar de outros transtornos.

Atualmente acredita-se que entre 14 até 22% das crianças apresentam algum transtorno comportamental, emocional ou do desenvolvimento, sendo que aproximadamente 8% apresentam alguma perturbação mais grave. Pesquisas comprovam que diversos transtornos apresentam-se de forma contínua ao longo da vida, ou seja, quando essas crianças crescem e se tornam jovens e adultos, muitos desses transtornos as acompanham, acarretando prejuízos sociais, econômicos e afetivos, entre outros.

Mas o que é considerado normal ou anormal? Os transtornos infantis são considerados “desvios que implicam uma diminuição do funcionamento adaptativo, um desvio estatístico, mal estar ou incapacidade inesperados e/ou deterioração biológica” (Caballo, 2007). O transtorno infantil provoca deterioração ou uma privação de benefícios à criança quando consideramos as normas sociais e é a consequência da falha de algum mecanismo interno para realizar uma função natural.

É sabido que alguns transtornos infantis, como a deficiência mental e o autismo são condições crônicas que persistem ao longo do desenvolvimento e outros transtornos, como a enurese e a encoprese raramente se mantêm até a vida adulta.

TRANSTORNOS INVASIVOS DO DESENVOLVIMENTO

Grupo de condições psiquiátricas nas quais as habilidades sociais, o desenvolvimento da linguagem e o repertório comportamental esperados não se desenvolvem de maneira adequada ou são perdidos no início da infância. Afetam diversas áreas do desenvolvimento e se manifestam de maneira precoce, causando disfunções permanentes.

O mais conhecido dos Transtornos Invasivos do Desenvolvimento é o Transtorno Autista (autismo infantil), que se caracteriza por comprometimentos persistentes nas interações sociais recíprocas, desvios na comunicação e padrões comportamentais restritos e estereotipados. É sabido que mais de dois terços dos indivíduos portadores de transtorno autista têm retardo mental mas este não é item fundamental para o diagnóstico.

As características Clínicas e Diagnósticas para o Transtorno Autista podem se dividir em 3:

1- Características físicas: podem ser menores que as outras crianças, fracasso na lateralização (permanecem ambidestras), maior incidência de dermatóglifos anormais (impressões digitais) e também uma maior incidência de infecções respiratórias das vias aéreas superiores, eructações excessivas, convulsões febris, etc.

2- Características Comportamentais: tais como comprometimentos qualitativos na interação social, perturbações da comunicação e linguagem, comportamentos estereotipados, instabilidade de humor e afeto e respostas a estímulos sensoriais de forma diferenciada.

3- Funcionamento intelectual: rebaixado quando comparadas às outras crianças.

O Transtorno Autista tem um curso crônico e um prognóstico reservado. Os objetivos do tratamento são diminuir os sintomas comportamentais e auxiliar no desenvolvimento de funções atrasadas, rudimentares ou inexistentes tais como linguagem e habilidades de autonomia. Os pais sempre necessitam de apoio e aconselhamento.

O tratamento comprovadamente mais eficaz para crianças portadoras de Transtorno Autista é a Psicoterapia Comportamental e deve sempre ser associada a treinamento estruturado em sala de aula. Estudos comprovam a obtenção de progressos nas áreas da linguagem e cognição, juntamente com redução do comportamento mal-adaptativo quando se utiliza o método comportamental.

Para saber mais:

www.facion.psc.br
www.autismo.com.br
www.ama.org.br
www.autismoinfantil.com.br

Transtorno Opositivo Desafiador

A principal característica do Transtorno Opositivo Desafiador é um padrão recorrente de comportamento negativista, desafiador, desobediente e hostil para com figuras de autoridade, que persiste por pelo menos 6 meses e se caracteriza pela ocorrência freqüente de pelo menos quatro dos seguintes comportamentos:

  • perder a paciência,
  • discutir com adultos,
  • desafiar ativamente ou recusar-se a obedecer a solicitações ou regras dos adultos ,
  • deliberadamente fazer coisas que aborrecem outras pessoas, r
  • responsabilizar outras pessoas por seus próprios erros ou mau comportamento,
  • ser suscetível ou facilmente aborrecido pelos outros,
  • mostrar-se enraivecido e ressentido, ou ser rancoroso ou vingativo.
Os comportamentos negativistas ou desafiadores são expressados por teimosia persistente, resistência a ordens e relutância em comprometer-se, ceder ou negociar com adultos ou seus pares. Apresentam também testagem deliberada ou persistente dos limites, geralmente ignorando as ordens dadas por pais ou professores, discutindo e deixando de aceitar a responsabilidade pelos seus atos. A hostilidade pode ser dirigida a adultos ou crianças, sendo demonstrada ao incomodar de modo frequente e insistente ou agredir verbalmente outras pessoas (em geral sem a agressão física mais séria vista no Transtorno da Conduta).
As manifestações do transtorno estão quase que invariavelmente presentes no contexto doméstico, mas podem ser evidentes também na escola ou na comunidade. Os sintomas do transtorno tipicamente evidenciam-se mais nas interações com adultos ou companheiros a quem o indivíduo conhece bem, podendo assim não serem perceptíveis durante o exame clínico. Em geral, os indivíduos com este transtorno não se consideram oposicionais ou desafiadores, mas justificam seu comportamento como uma resposta a exigências ou circunstâncias irracionais.
  • Características e Transtornos Associados
As características e transtornos associados variam em função da idade do indivíduo e gravidade do Transtorno Desafiador Opositivo. No sexo masculino, o transtorno é mais prevalente entre aqueles indivíduos que, nos anos pré-escolares, têm temperamento problemático (por ex., alta reatividade, dificuldade em serem acalmados) ou alta atividade motora. Durante os anos escolares, pode haver baixa auto-estima, instabilidade do humor, baixa tolerância à frustração, blasfêmias e uso precoce de álcool, tabaco ou drogas ilícitas. Existem, freqüentemente, conflitos com os pais, professores e companheiros. Pode haver um círculo vicioso, no qual os pais e a criança trazem à tona o que há de pior um do outro. O Transtorno Desafiador Opositivo é mais prevalente em famílias nas quais os cuidados da criança são perturbados por uma sucessão de diferentes responsáveis ou em famílias nas quais práticas rígidas, inconsistentes ou negligentes de criação dos filhos são comuns. O Transtorno de Déficit de Atenção/Hiperatividade é comum em crianças com Transtorno Desafiador Opositivo, bem como os Transtornos da Aprendizagem e da Comunicação.

O Transtorno Desafiador Opositivo em geral manifesta-se antes dos 8 anos de idade e habitualmente não depois do início da adolescência. Os sintomas opositivos freqüentemente emergem no contexto doméstico, mas com o tempo podem aparecer também em outras situações. O início é tipicamente gradual, em geral se estendendo por meses ou anos. Em uma proporção significativa dos casos, o Transtorno Desafiador Opositivo é um antecedente evolutivo do Transtorno da Conduta.

Reportagem REVISTA VEJA (www.veja.com)

Déficit de atenção ainda é problema subestimado

Por Natalia Cuminale

As vendas de metilfenidato - medicamento indicado para o tratamento de transtorno de déficit de atenção e hiperatividade (TDAH) – saltaram quase 80% entre 2004 e 2008, segundo a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). O aumento provocou suspeitas de uso indiscriminado da droga: levantou-se até a hipótese de que crianças receberiam erroneamente o diagnóstico positivo por conta do comportamento agitado. Além disso, adolescentes estariam obtendo o remédio tarja-preta clandestinamente para turbinar suas funções cognitivas.


Consultados acerca da eventual prescrição infantil imprópria, especialistas ouvidos por VEJA.com apostaram justamente na tese contrária. "Configura-se mais um caso de subdiagnóstico do que de prescrição exagerada", afirma Luís Rohde, psiquiatra da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRS). "Esse fenômeno de vendas mal corresponde à necessidade real do país", complementa Paulo Mattos, psiquiatra da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e autor do livro sobre o tema No Mundo da Lua. A partir de dados da Anvisa e do IBGE, o médico diz que menos de 30.000 pessoas com TDAH são tratadas por ano no país - número baixo, frente aos 3 milhões de brasileiros potencialmente portadores.
Por essa razão, os especialistas preferem creditar a disparada no consumo à disseminação do conhecimento sobre o distúrbio neuropsiquiátrico - que atinge entre 3% e 6% das crianças em idade escolar. "Quanto maior a gama de informações, capacitação e esclarecimento acerca de um transtorno, mais pessoas procuram um diagnóstico. Isso faz com que aumente a incidência do uso da medicação", afirma Iane Kestelman, psicóloga e presidente da Associação Brasileira de Déficit de Atenção.

Diagnóstico difícil - A opinião dos médicos, contudo, não encerra a questão. "De fato, existem diagnósticos errados e o uso desnecessário da medicação - o que ocorre em todas as áreas medicina. Mas o tratamento correto não pode pagar a conta dos maus profissionais", afirma Kestelman.

Na raiz do problema está a dificuldade no diagnóstico de TDAH. Ao contrário de outros males, não há um exame laboratorial que possa complementar ou confirmar a análise realizada em consultório. Para descobrir se uma criança possui o transtorno, é preciso observar se os sintomas ocorrem há pelo menos seis meses em ambientes diferentes, como escola e família. Além disso, o médico especialista deve, por meio de entrevista, analisar se o perfil do paciente se encaixa em uma lista de 18 sintomas. Isso pode dar margem a que um médico menos experiente realize um diagnóstico exagerado.

"Os sintomas de desatenção, hiperatividade e impulsividade têm que se manifestar em todos os contextos em que a criança vive e precisam provocar um prejuízo na vida dela, seja no relacionamento familiar, social ou no desempenho acadêmico", explica Marcos Arruda, neurologista pediátrico do Instituto Glia e membro da Associação de Neurologia e Psiquiatria Infantil.

Erro e acerto - Por conta de um diagnóstico errado, o designer Gabriel (que prefere não revelar seu nome verdadeiro) viveu severas turbulências durante boa parte da vida. "Minha infância e adolescência foram um inferno. Mais tarde, cheguei a largar a faculdade três vezes devido ao problema", conta. Sofrendo, ele procurou um médico, que apresentou o diagnóstico de transtorno bipolar e impôs ao jovem, hoje com 27 anos, três anos de tratamento intensivo com remédios para combater aquele mal.

Há dois anos, porém, veio um novo veredito: TDAH. Veio também uma nova vida. "Agora, faço em 15 minutos uma tarefa que, por conta de distração, levaria uma hora", diz Gabriel.

Surpresa maior acerca da sua situação médica estaria por vir. Depois do novo diagnóstico, a mãe de Gabriel revelou que ele recebera o mesmo parecer médico na infância. O tratamento, contudo, foi suspenso devido a pressões na escola. "Naquela época, a diretora repreendeu minha mãe porque não achava correto dar um remédio tarja-preta para uma criança", diz Gabriel. "Ela só me contou a história depois do novo diagnóstico: até então, ela tinha vergonha de revelar isso."

Como funciona a droga - A Ritalina, nome comercial do metilfenidato, ajuda pessoas com transtorno de déficit de atenção e hiperatividade a se concentrar com mais facilidade. "Um paciente com TDAH tem seu processo de atenção desregulado na liberação de dopamina (neurotransmissor)", diz Geraldo Possendoro, psiquiatra comportamental da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). "A medicação estabelece o funcionamento adequado."


Droga para déficit de atenção é usada para 'turbinar' mente

Enquanto algumas pessoas utilizam o metilfenidato para conseguir a concentração necessária para atividades cotidianas, outros usam o medicamento com o objetivo de elevar suas funções cognitivas ? mesmo sem necessidade clínica comprovada. A meta é conseguir se focar e melhorar o desempenho em provas da escola, da faculdade ou até para passar em um concurso público.

Esse foi o caso da estudante Sheyla Goulart Citrangulo, de 19 anos, aluna do curso de biomedicina da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UniRio). Ela usou o remédio quando tinha 15 anos. "Eu precisava aumentar minhas notas em física e decidi que tomaria um comprimido a cada dia que tivesse aula da disciplina", relembra. "No primeiro dia, fiquei até assustada, porque borbulhavam ideias na minha cabeça. Na aula, ao contrário dos outros dias, eu não desviava a atenção em nenhum minuto." Resultado: as notas melhoraram, sem efeitos colaterais aparentes.

A estudante fez ainda outra investida com o metilfenidato. Dessa vez, porém, o resultado foi considerado "desastroso". "Eu tive uma crise de nervos, chorava o tempo todo e não lembrava nada das matérias que antes eu dominava. Então, cessei o uso", diz.

Os efeitos colaterais mais comuns para quem utiliza o metilfenidato são dores de cabeça, diminuição do apetite, irritabilidade e alteração do sono. "Isso pode ocorrer em 15% ou 20% dos pacientes que recebem a prescrição médica", explica Luís Rohde, psiquiatra da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRS).

Em casos em que a receita médica é obtida de forma clandestima, os riscos aumentam. "Como não existe avaliação médica prévia, há risco de agravamento de problemas pré-existentes neuropsiquiátricos ? como transtorno do pânico, transtorno bipolar, epilepsia - e também clínicos - hipertensão arterial, arritmias cardíacas", diz Paulo Mattos, psiquiatra da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e autor do livro No Mundo da Lua.

Em 2008, a revista científica Nature realizou uma pesquisa informal sobre o assunto junto a 1.400 leitores. Resultado: 20% deles assumiram já haviam ingerido metilfenidato e modafinil com o objetivo de melhorar a concentração e a memória. "O metilfenidato realmente melhora o desempenho cognitivo. É um fato que vem sendo discutido pelos cientistas e já deixou de ser puramente médico, tornando-se uma questão ética", afirma Marcos Arruda, neurologista pediátrico do Instituto Glia e membro da Associação de Neurologia e Psiquiatria Infantil.

O recente salto no consumo da droga no país - quase 80% entre 2004 e 2008 - teria aí mais uma razão. "Um aumento de vendas do metilfenidato pode estar relacionado ao uso não-médico do medicamento - especialmente num país onde dezenas de milhares de pessoas vivem estudando para concursos públicos", comenta Mattos.


Déficit de atenção: professor pode ajudar

Normalmente, é no ambiente escolar que os problemas de atenção e hiperatividade começam a aparecer. Além de agitada, a criança não consegue tirar notas boas ou pode ter problemas para se relacionar com os amigos. Por isso, os médicos ressaltam a importância do professor nesse processo: ele pode levantar a hipótese da existência de transtorno de déficit de atenção e hiperatividade (TDAH). "Muitas vezes, eles percebem os sinais antes mesmo dos pais. É importante ouvi-los", afirma Paulo Mattos, psiquiatra da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e autor do livro No Mundo da Lua, sobre TDAH.

Nas escolas, o comportamento das crianças é observado de perto por pedagogos. Quando uma criança começa apresentar um comportamento prejudicial, os pais devem ser imediatamente convidados para uma conversa.

"Não temos capacidade de diagnosticar. O que podemos fazer é conversamos com a família e sugerir uma avaliação médica", explica Kristine Kross Maita, diretora da Unidade do Morumbi do Colégio Visconde de Porto Seguro, em São Paulo. "Na escola, temos muitas crianças que tomam Ritalina (medicamento que controla o TDAH) e já tivemos resultados excelentes."

O tratamento para uma criança com TDAH pode mudar completamente sua evolução, principalmente na fase escolar. No entanto, é preciso cautela. "Nem todos os que são agitados têm TDAH", alerta Silvania Leporace, coordenadora do serviço de orientação educacional do Colégio Dante Alighieri, em São Paulo. "As crianças fazem muitas coisas ao mesmo tempo, mas nem todas são hiperativas. Algumas só precisam de regras e limites", completa.

Paulo Mattos resume qual deve ser o objetivo de um eventual tratamento para uma criança, caso o TDAH seja comprovado. "A ideia principal não é tratar essa criança porque ela é agitada demais e atrapalha as outras. Deve-se tratá-la porque o problema atrapalha o próprio desenvolvimento dela."


Fonte: Revista Veja