O PODER QUE O CHORO TEM

“Quem não chora não mama...” já dizia a música, o que em poucas palavras ilustra muito da função do choro nas nossas vidas. Mas quando devemos atender ao choro das crianças?
    Acredito plenamente que uma mãe pode com muita precisão diferenciar os choros de seu filho logo após os primeiros dias de vida da criança, claro também sabemos o quão importante essa conexão entre choro e atenção da mãe pode ter sido de extremo valor pra que nossa espécie ainda exista. Imagine se os pais não fossem capazes de responderem ao pedido por alimento que seu recém-nascido emite em forma de choro? Talvez não estivéssemos aqui. Ou imagine que nunca verificassem a fraldinha suja, temperatura, posição ou eventuais dores quando o bebê chora? Ah, tenho certeza de que você ao ler essa hipótese já deve ter pensado: “que tipo de mãe ou pai faria isso?!” Portanto, até aqui concordamos sobre o quanto o choro é importante como UM dos primeiros meios de comunicação entre pais e filhos.
    Gostaria de dividir com vocês três situações para explicar meu ponto de vista, a primeira delas, claro, sobre quando o bebê nasce. É uma tarefa árdua para os pais começarem a decifrar que choro significa o quê, ainda me lembro de visitar o bebê de queridos amigos na maternidade, estávamos todos “babando” em cima do pequeno, e elogiando o quanto ele era calminho, o quanto ele era lindo, fofo... ops, uma pequena interrupção, em forma de que? De choro, claro. Devem ter se passado alguns segundos e o papai pegou o bebê na esperança de acalmá-lo... segura daqui, dali, muda de posição, mas nada ajudou. A mamãe estava a postos pra dar o leitinho, mas também não resolveu, até minha mãe (que há muito tempo não tinha que cuidar de bebezinhos) se ofereceu pra ajudar e pegar nosso queridinho porque ele talvez estivesse com cólica. Claro que a essa altura, você mãe ou pai experiente já mataram a charada, mas nós chamamos a enfermeira, que simplesmente o pegou com a maior naturalidade e segurança de alguém que já tinha entendido o recado: “ei, minha fralda está suja”. Sim, simples não?
    Esse é o problema, até que todo choro se torne simples, os pais já aprenderam com o pequeno ou pequena que toda atenção é válida, que todo gesto na tentativa de entendê-los e suprir suas necessidades realmente funcionam, uns melhor e mais rápido que outros, mas em geral, funcionam, fazendo com que o bebê pare de chorar. Sem mencionar o quanto você é boa mãe ou pai quando você se desdobra para ajudá-los. E agora vem o meu incômodo: até quando seu filho será bebê? Até quando você terá que ajudá-lo adivinhando e decifrando cada tom de choro? Até quando isso ajuda seu filho? E quando isso começa a prejudicá-lo?
    Agora, gostaria de colocar a segunda situação, um comentário que ouvi de uma mãe: “mas se ele chora, ele não está fazendo manha, ele não é uma criança manhosa, ele apenas precisa de alguma coisa e não consegue falar.” Como boa mãe e que conhece seu filho, ela estava certa, ele não é uma criança manhosa. E o que fazer então? Você dedicado pai ou dedicada mãe logo se inclina para perguntar: “o que foi meu amor? Diz pra mamãe/ papai, tá com dor? Está com fome? Não, não precisa chorar...” E claro que em meio a tudo isso você já pegou sua criança no colo, já colocou na frente dela todos os itens que poderiam fazê-la parar de chorar, ou pelo menos alegrá-la um pouquinho. E após alguns minutos, com sorte ela para de chorar.
    Nem sempre o fato de um choro não ser manha reflete a necessidade de que os pais resolvam os problemas para seus filhos, sei que é difícil colocar isso em prática depois de um ou dois anos aprendendo a ouvir o choro do seu bebê e resolvendo os problemas para ele e sendo o protetor, bom pai e boa mãe que tantos dias árduos de prática te levaram a ser.
    É neste ponto que se torna necessário confiar na capacidade que seu filho tem de aprender, independente do tipo de desenvolvimento que ele apresenta, dê a ele a chance de explorar seu potencial e fazer melhor. Por exemplo, uma criança que não consegue falar pode apontar, pode se comunicar por sinais, pode se comunicar por figuras. Claro que não estou sugerindo que você comece a ensinar e explorar o potencial do seu filho quando ele está chorando, mas quando ele chorar, pergunte-se: ele tem condições de fazer melhor? Se a resposta for positiva, ou quase: “ACHO que sim”, espere que a criança se acalme um pouco, ajude-a a se expressar ao invés de adivinhar o que ela precisa.
     Não se trata de falta de compaixão quando se deixa uma criança chorar, mas sim de confiar no potencial da criança que já está pronta para resolver pequenos problemas, mesmo que com certa ajuda.
Por último, para ilustrar que não estou defendendo que o choro seja sempre inapropriado, quero dividir esta história com vocês: a menina de nove anos começou a falar de forma agressiva com a mãe, ao mesmo tempo começou a chorar e a cada comentário da mãe vinha uma resposta afiada, a mãe muito firme, mas não exaltada pediu que ela fosse pro quarto se acalmar e disse que logo iria para o quarto conversar com a filha. Após cinco minutos, a menina estava soluçando e chorando ainda mais, a mãe perguntou: “você está pronta pra conversar ou precisa de alguns minutos?” claro que a resposta não foi amigável: “eu não quero falar com você! Eu estou brava com você!” A mãe se sentou na cama com certa distância e esperou que os soluços parassem e que ela se acalmasse um pouco (seria pedir demais que ela parasse totalmente de chorar). Então a mãe começou a perguntar: “você está cansada com tantas atividades?” Como resposta veio um sinal afirmativo com a cabeça. “Você gostaria de não precisar fazer o teste pra aula de música?” Outro sinal afirmativo. “Você está brava comigo ou você está nervosa com tantas coisas para fazer?” Uma palavra como resposta desta vez: “nervosa”. A mãe continuou: “tem algo que eu possa ajudar?” Agora um sinal negativo com a cabeça. “Você quer um abraço pra se acalmar ou prefere ficar um pouquinho sozinha?” A filha (ainda chorando) respondeu: “um abraço”.
Neste caso, o foco não era que a criança parasse de chorar, mas a mãe conseguiu ensinar a filha a identificar seus próprios sentimentos. Além disso, é um bom exemplo para lembrarmos que em alguns momentos, apesar de querer proteger seu filho da dor, muitas vezes você não poderá fazer nada para que ele pare de chorar e ele terá que lidar com isso.

    Por isso termino com um convite: que tal atribuir mais poder à capacidade que a criança tem em lidar com problemas do que ao choro em si?

LÍGIA ODA
FONTE:http://psicologiainfantilblog.blogspot.com.br

AMPLIAÇÃO DA EQUIPE

Sempre pensando em atender melhor nossa clientela, informamos uma ampliação da nossa equipe. Agora contamos com Dra. Nara Moreira Fortes (pediatra assintente da neuropediatria) e Dr. Felipe Guimarães de Castro Amorim (psiquiatra infantil).

EQUIPE INRI

TDO- EU NUNCA OUVI FALAR?



Todas as crianças passam por fases difíceis que muitas vezes poderiam ser descritas como "de oposição", especialmente quando se está cansado, com fome, estressado ou chateado. Quando eles estão assim podem discutir, conversar, desobedecer e desafiar os pais, professores e outros adultos. Há também momentos no desenvolvimento normal que o comportamento de oposição é esperado, como por exemplo entre dois a três anos de idade ou até mesmo na pré-adolescência. Entretanto, o comportamento hostil se torna uma preocupação quando é freqüente e consistente, que se destaca quando comparado com outras crianças da mesma idade e nível de desenvolvimento e quando ela afeta a família da criança, social e a escola.
Para melhor entender, nada melhor como uma boa definição:

O transtorno de oposição (TDO) é um transtorno disruptivo, caracterizado por um padrão global de desobediência, desafio e comportamento hostil. A criança ou adolescente discute excessivamente com adultos, não aceitam responsabilidade por sua má conduta, incomodam deliberadamente os demais, possuem dificuldade de aceitar regras e perdem facilmente o controle se as coisas não seguem a forma que eles desejam (SERRA-PINHEIRO et al., 2004, p.273).

Em crianças com transtorno desafiador opositor (TOD), geralmente apresentam um padrão contínuo de comportamento não cooperativo, desafiante, desobediente e hostil incluindo resistência a figura de autoridade. O padrão de comportamento pode incluir:
Freqüentes acessos de raiva
Discussões excessivas com adultos, muitas vezes, questionando as regras
Desafio e recusa em cumprir com os pedidos de adultos
Deliberada tentativa de irritar ou perturbar as pessoas
Culpar os outros por seus erros e mau comportamento
Muitas vezes, ser suscetível ou facilmente aborrecido pelos outros
Freqüente raiva e ressentimento
Agressividade contra colegas
Dificuldade em manter amizades
Problemas acadêmicos

Embora não haja nenhuma causa claramente compreendida, acredita-se ser uma combinação de genética, ambiente, incluindo:



Disposição natural de uma criança
Limitações ou atraso no desenvolvimento da capacidade de uma criança no processo de pensamento e sentimento
Falta de fiscalização
Inconsistência ou disciplina severa
Abuso ou negligencia
Desequilíbrio de certas substancias químicas do cérebro, tais como a serotonina
Os sintomas são geralmente vistos em várias configurações, mas são mais perceptíveis em casa ou na escola. Muitos pais relatam que seu filho com TOD estava mais rígido e exigente que os irmão da criança, desde tenra idade.


Este problema é bastante comum, ocorrendo entre 2% e 16% das crianças e adolescente. Em crianças menores é mais comum em meninos, mas durante a adolescência ocorre com freqüência em ambos os sexos. O inicio é geralmente gradual e aumenta a gravidade dos problemas de comportamento ao longo do tempo.


A melhor maneira de tratar um criança com TOD inclui Psicoterapia infantil que abrange técnicas de manejo e modificação do comportamento, utilizando uma abordagem coerente da disciplina e seguir com reforço positivo de comportamentos adequados.


É muito difícil os pais lidarem com estas crianças e adolescentes, por isso é indicado Orientação de Pais para melhor entendê-los além de obterem apoio e compreensão e consequentemente receberem treinamento acerca de habilidades de manejo desta crianças.


O sucesso do tratamento requer empenho e acompanhamento em uma base regular de ambos pais e professores.

Por: Simone Barbosa Pasquini

“Ai, que vergonha…”: Algumas palavras sobre a timidez infantil

A timidez [1] ilustra um padrão de comportamento caracterizado por déficit de relações interpessoais e uma tendência estável e acentuada de fuga ou evitação do contato social com outras pessoas. Este padrão abrange pessoas de todas as idades, muitas vezes iniciando na própria infância. Porém, surpreendentemente recebe atenção insuficiente das famílias, da escola e dos profissionais que trabalham com o público infantil. E nesse caso, nem sempre o tempo se encarrega da reversão do quadro: muitos adultos tímidos já foram crianças socialmente inibidas. Mas afinal, o que é a timidez, quais as medidas preventivas e em que consiste o tratamento? São as questões que serão respondidas neste texto.
 
Tecnicamente, a timidez está categorizada no âmbito dos comportamentos internalizantes, ou seja, comportamentos inadequados que se expressam “para dentro”, tendo como destinatário o próprio sujeito que o emite. A outra categoria, que abrange comportamentos que se expressam para fora (como agressividade, por exemplo), tem como destinatários os demais e, portanto, se torna mais visível aos olhos por perturbar e alterar o meio onde são produzidos.
 
No contexto escolar, ambiente onde alunos com menos agitação motora e que produzem menos barulho são desejáveis para o bom andamento das aulas, as crianças tímidas são muitas vezes elogiadas pelo seu comportamento retraído. Na família, também é possível verificar pais ou avós se vangloriando por terem filhos bem comportados, que não mexem nos pertences alheios ou que não fazem travessuras.
 
Como se pode perceber, a timidez enquanto comportamento internalizante não chama muito a atenção dos demais, visto que o prejudicado é o próprio indivíduo. No entanto, quando o embaraço diante de uma exposição se faz visível aos olhos (como quando uma criança é levada ao quadro para resolver uma tarefa ou quando precisa fazer uma leitura em voz alta perante um público) é que se tem uma dimensão da profundidade do problema. Porém, o alvo do prejuízo comportamental (se o próprio sujeito ou outras pessoas) não determina a gravidade da perturbação. Ou seja, os comportamentos internalizantes não são menos importantes ou menos danosos que os demais: estes também precisam de intervenção profissional para que haja melhor desempenho social e qualidade de vida.
 
Na Psicologia, o grau de dificuldade relacional pode ser classificado de acordo com a motivação para a aproximação e a evitação. Quanto a isso, existem as classificações: baixa sociabilidade, baixa aceitação social, a timidez propriamente dita e o estilo de relação passivo ou inibido.
 
Refere-se à baixa sociabilidade quando se trata de crianças que tem uma baixa motivação de aproximação social; porém, não há necessariamente um alto grau de evitação. São aquelas crianças que preferem estar sozinhas ao invés de acompanhadas. Não há a presença de ansiedade social e, quando exposta a grupos, a pessoa costuma apresentar bom desempenho nas conversações. Nos primeiros anos da infância, uma baixa sociabilidade não costuma ser desadaptativa. No entanto, em fases posteriores, esta baixa sociabilidade é apontada como um risco.
 
Quando há uma baixa frequência de interação social motivada por uma baixa aceitação dos demais, sendo excluídas e/ou esquecidas pelos colegas, tem-se o retraimento por baixa aceitação social. Algo que chama a atenção é que crianças rejeitadas são mais vulneráveis a problemas exteriorizados (como agressão, impulsividades, entre outros), acarretando um risco significativo ao desenvolvimento infantil e à sociedade.
 
Por outro lado, a timidez propriamente dita envolve aquelas crianças que estão motivadas à aproximação, mas também à evitação. Ou seja, elas gostariam de interagir com os outros, mas acabam evitando o contato por determinadas razões, como o excesso de cautela e receio diante de avaliações e desaprovações.
Existe também a categoria de timidez referente ao estilo passivo nas relações interpessoais. Para tanto, é mister abordar a assertividade, termo que se refere à expressão direta dos próprios sentimentos e a defesa dos próprios direitos pessoais, sem ferir ou negar os direitos dos outros. Neste âmbito, observa-se que as pessoas tímidas costumam agir de forma passiva nas relações interpessoais. Ou seja, há a violação de seus próprios direitos pela dificuldade ou impossibilidade de expressar sentimentos, pensamentos e opiniões. Assim, a pessoa se anula perante os outros, mesmo tendo o direito de se posicionar e de se mostrar aos demais.
 
Uma pessoa passiva, portanto, é uma pessoa dita inibida, introvertida, que muitas vezes se frustra por não conseguir atingir seus objetivos. Sem expressão, os outros se adiantam em resolver seus problemas ou a decidir por elas. Temendo deteriorar a relação com os outros (ou de ser mal compreendida), adota comportamentos de submissão, esperando que as outras pessoas percebam suas próprias necessidades e anseios. Como se pode observar, este tipo de comportamento tem como objetivo apaziguar os outros e evitar conflitos. Assim, esquivar ou fugir dessas situações ansiógenas é muito cômodo, o que favorece a manutenção do quadro.
 
Acompanhando estas linhas, o leitor pode constatar que crianças passivas são facilmente presas de pessoas mal intencionadas, havendo risco de serem avassaladas ou ameaçadas pela ausência ou deficiência da expressão. Assim, poderão ser manipuladas e controladas pelos demais e não defenderão seus próprios direitos e anseios. Ou seja, poderão aceitar brincar de um jogo que na verdade não gostam, comportar-se em discordância com seus valores e opiniões para evitarem a exclusão social, entre outros exemplos.
 
Dessa forma, a timidez pode ser constatada a partir da observação e da comparação com os demais colegas. Por exemplo, os tímidos costumam se manter mais quietos em comparação aos outros colegas, não tiram dúvidas em sala de aula, não começam nem mantém diálogos com os demais, passeiam sem cumprimentar os transeuntes (geralmente, com postura evitativa, olhando para baixo), em atividades grupais costumam ficar calados e acatarem as opiniões dos demais. Ficam mais solitárias e, quando não, interagem bem menos do que seria possível.
 
Muitas vezes, tais comportamentos são acompanhados de níveis significativos de ansiedade, medo, preocupações e pensamentos negativos diante de contextos interpessoais que impliquem avaliação dos demais (como ler em voz alta, resolver um problema no quadro, fazer uma apresentação na feira de ciências, por exemplo). Com a ansiedade, pode haver tremores, suor nas extremidades, gaguejos, rubor, náuseas ou calafrios. Assim, com estas sensações aversivas, muitas vezes a criança pode evitar o contato social e seus efeitos colaterais, assim como a exposição e as avaliações sociais. Ao passo disso, a timidez afeta também o autoconceito, a autoestima e o senso de eficácia.
 
Manifestando-se na infância, mas sem reversão do quadro, as dificuldades são passadas para as fases posteriores do desenvolvimento, muitas vezes mais graves. Já na fase adulta, as então crianças tímidas provavelmente terão dificuldades com autoestima, no mercado de trabalho e também no âmbito afetivo-sexual. Sem posicionarem-se adequadamente, aceitarão o que de fato não querem (como uma relação afetiva sem perspectivas), submeter-se-ão a situações aversivas por não conseguirem resolver problemas (como a um chefe coercitivo, por exemplo), assim como também poderão ter dificuldades em fazer amizades.
 
Como qualquer outro comportamento, o critério para que um padrão seja considerado um problema é haver prejuízo em algum âmbito da vida. Assim, se a timidez passa de um “charme” ou uma maneira reservada de interagir para algo que prejudica a socialização e/ou o desempenho acadêmico, recomenda-se procurar ajuda profissional. Dessa forma, evita-se o agravamento do quadro para Fobia Social e também para prejudica as outras fases do desenvolvimento.
 
A título de ilustração, algumas medidas recomendadas para abordagem de retraimento social são as práticas desportivas e as atividades artísticas. Por exemplo, o teatro desenvolve a expressão corporal, emocional e a fluência verbal através da exposição. No âmbito de tratamento, nas terapias comportamentais existem técnicas que aprimoram o repertório social, ao mesmo tempo em que são trabalhados os comportamentos privados (pensamentos) e as emoções, como a ansiedade. Alguns exemplos são o Treino de Habilidades Sociais e os exercícios de relaxamento. Assim, com a psicoterapia, a criança tímida pode aprender repertórios mais adaptativos de interação social e, assim, favorecer o seu desenvolvimento psicossocial e afetivo.
 
[1] O termo timidez tecnicamente é chamada de retraimento social, mas também tem várias outras denominações, como inibição e introversão. Neste texto, estes termos serão utilizados sem distinção de significados
Juliana de Brito Lima é Psicóloga (CRP 11ª/05027), formada pela Universidade Estadual do Piauí e especializanda em Análise Comportamental Clínica pelo Instituto Brasiliense de Análise do Comportamento – IBAC. É membro da Associação Brasileira de Psicologia e Medicina Comportamental – ABPMC. Atua como psicóloga clínica em Teresina-PI (Clínica Lecy Portela, onde atende criança, adolescente e adulto), realizando orientação online através do Instituto de Psicologia Aplicada – InPA. Também atua como psicóloga forense no Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão, na Comarca de Caxias. Atuou como pesquisadora no Núcleo de Análise do Comportamento da Universidade Federal do Paraná/ NAC-UFPR (linha de pesquisa “Desenvolvimento da criança e do adolescente em situações adversas”) e atualmente está vinculada ao Laboratório de Neurociências Cognitivas da Universidade Estadual do Piauí- UESPI.
 

Um novo olhar para a mente das crianças (Reportagem Veja)

REVISTA" VEJA", DO DIA 16/3/13, JÁ ESTÁ NAS BANCAS COM UMA MATÉRIA ESCLARECEDORA SOBRE O TDAH.

O TÍTULO DA MATÉRIA É " UM NOVO OLHAR PARA A MENTE DAS CRIANÇAS ".



Para ler a reportagem completa, é só clicar:

http://www.tdah.org.br/images/stories/veja_tdah_completa_20-03-13.pdf

Palmadas e surras: reflexões sobre práticas coercitivas


Medidas punitivas são práticas educacionais milenares, bastante arraigadas na sociedade. A prova disso é a referência encontrada em provérbios bíblicos e culturais por todo o mundo, que as associam a amor, boa educação e até a salvação [1]. Seja concebida como medida acessória ou como prática essencial na educação dos filhos, verifica-se que em alguns momentos existe um limite tênue entre a palmada, a surra e os maus tratos à criança ou adolescente. É nesse contexto que o Estado [2] propõe a proibição da palmada e seus derivados, dividindo opiniões entre pais e educadores. O texto de hoje vem acrescentar à discussão uma reflexão em torno dessa prática para que, posteriormente, sejam propostas alternativas para a punição normativa.

O termo práticas educativas parentais denomina uma série de comportamentos que os pais apresentam na criação de seus filhos. Tais atitudes são transmitidas de geração em geração, não pela via genética, mas pelo fato de o sujeito aprender tais comportamentos na convivência com seus antepassados imediatos, e assim sucessivamente.

Passemos, então, ao seguinte raciocínio: se um comportamento é aprendido e é perpetuado ao longo das gerações, significa dizer então que este é selecionado historicamente. Suas consequências devem ser fortes o suficiente para que uma pessoa se comporte dessa forma. No entanto, isso não quer dizer que sejam somente comportamentos adequados os perpetuados: o mesmo processo vale para os comportamentos ditos inadequados. Por exemplo, quando uma pessoa privada de atenção (ou sem atenção suficiente) se lesiona diante de pessoas ocupadas, isso provavelmente busca olhares e investimentos de quem a rodeia. Apesar de provocar dor, é funcional porque foi aprendido na história de vida e é mantido pelas consequências (obter atenção social). Existem outros comportamentos alternativos com a mesma finalidade, mas a pessoa aprendeu que dessa forma obtém o que deseja, e quanto maior essa associação, maior a dificuldade de mudança.

Dito isso, fica o questionamento: quais são as consequências da punição física quando ela é adotada no manejo de comportamentos inadequados?

O primeiro efeito observado é o resultado imediato: o comportamento inadequado (aquele que é contrário ao que é socialmente aceito ou que traz risco a quem o executa ou a outras pessoas) é prontamente suprimido. Por exemplo, quando um pai surra uma criança por esta bater em seu irmão, é possível que a criança não tente fazê-lo novamente. É um efeito que acaba fortalecendo o comportamento do agente punidor, pela sua própria eficácia. No entanto, o comportamento inadequado pode reduzir a frequência inicialmente, mas pode voltar a ocorrer. Vejamos.

Ao ter seu comportamento punido, a pessoa aprende que não deve se comportar daquela maneira, pois assim teria punição, pelo menos diante daquele que puniu. Aproveitando o exemplo supracitado, a criança pode não brigar com o irmão na presença do pai (para evitar a punição), o que não quer dizer que deixará de bater diante de outra pessoa ou mesmo sozinho com o irmão. O que a população comumente defende ser a mais efetiva prática educativa, na verdade ocasiona uma operação de esquiva das consequências aversivas, tão somente, e não uma aprendizagem quanto ao modo certo de se comportar. Ainda no exemplo, a criança não aprenderá a ter comportamento amistoso, colaborativo, empático e amoroso com o irmão, pois isso não foi desenvolvido com o tapa recebido.

Assim, outro efeito que pode ser observado na punição corporal é que, por não aprender a se comportar de modo adequado, a pessoa pode buscar outras maneiras de fazer exatamente o mesmo, sem ser descoberta. É o caso de uma adolescente que está namorando precocemente. Ao receber punições, ela pode tanto deixar de namorar, quanto também pode mudar o horário das conversas ao telefone, mentir que rompeu o relacionamento, fugir de casa para encontrar o amante, ou mesmo não ouvir nenhuma orientação dos pais quanto a isso. Observe que, apesar da punição, ela continua tendo acesso a algo prazeroso, que é o namoro. É como se fosse um “estágio” que, embora sofrido, tende a passar e logo ela encontra algo reforçador que a fará “esquecer” da dor.

Na punição física, também se observa efeitos ligados às emoções de quem a recebe. A criança ou adolescente pode ter raiva do agressor, sobretudo quando ela não sabe a razão da agressão. Nesses momentos, ela pode usar-se de estratégias para ferir moralmente ou emocionalmente quem puniu, como por exemplo desafiar a bater mais forte ou mais vezes, ou dizer que não está doendo. Nem é preciso dizer que a raiva na relação entre ambos prejudica o clima familiar e a afetividade.

É comum observar que o jovem que tem seu comportamento punido obedece e respeita o pai punidor. Na verdade, complementando o que fora dito anteriormente, o que existe é o medo do agressor, que se tornou aversivo. Muitas vezes, no raciocínio da criança, estar diante dele pode sinalizar uma punição iminente, e o melhor é afastar-se (fugir) para evitar problemas futuros.

Caso as punições sejam inconsistentes, frequentes e que dependem do humor dos pais, o jovem pode desenvolver um quadro de desamparo aprendido, que se assemelha à depressão. Esse quadro se instala devido ao jovem não entender porque está sendo punido, nem por saber o que pode fazer de correto para evitar as consequências aversivas inesperadas.

A partir do momento em que pais associam amor à dor, como ao dizer “eu te bato porque quero seu bem”, a criança aprende que quem ama pode machucar, o que pode trazer disfunções em outros relacionamentos futuros (como submissão a violência conjugal, por exemplo). Excessos de punições corporais também apresentam o risco de a criança desenvolver em longo prazo comportamentos antissociais, como mentir, enganar, provocar e também reproduzir a agressão com outras pessoas.

Uma última consequência é a baixa autoestima: os excessos de eventos físicos aversivos podem produzir culpa, vergonha, crenças de baixa valia e de que seus comportamentos nunca são bons o suficiente para seus pais, o que repercute negativamente no autoconceito e em como a pessoa se apresenta socialmente.

Cabe agora um destaque para as diferenças descritivas entre palmada e surra, visto que muitos pais buscam defender que não batem nos filhos, mas apenas empregam uma “palmadinha”. Aqui vem uma provocação: qual é o limite entre a palmada e a surra?

Em um levantamento bibliográfico realizado em 2005 [3] constatou-se que os preditores da punição física são: irritação, raiva, estresse, mau humor, doença e infelicidade dos pais, dentre outros fatores. Dessa forma, percebe-se que ao punirem fisicamente seus filhos, os pais estão emocionalmente alterados. Então, o limite de uma modalidade para a outra é a força física, inversamente proporcional ao autocontrole e diretamente proporcional ao humor dos pais. Assim, é mais provável que haja uma palmada em infrações leves ou diante de um autocontrole maior da força e das emoções e uma surra diante de infrações mais graves, quando os pais estão de mau humor e quando não dosam o controle do castigo físico.

Quando os pais descontam nos filhos suas irritações, encontram uma maneira de extravasar suas emoções, ao passo em que verifica que o comportamento inadequado reduziu imediatamente de frequência. Muitas vezes, é para obterem alívio da raiva que pais adotam a punição física. Dessa forma, a punição corporal abandona o aspecto educativo e já se aproxima de agressão por envolver déficit no autocontrole dos pais.

Além disso, observa-se o limite tênue entre palmada e surra também quando há uso frequente dessa prática. Por exemplo, se uma criança se comporta de forma inadequada e recebe um castigo físico a cada reincidência, ela pode habituar-se diante dessa prática, de modo que não faz mais o mesmo efeito, ou seja, não suprime a frequência.

Por esse “costume” diante da punição, o familiar pode utilizar uma intensidade maior da força ou mesmo um tempo maior de punição física, o que, então, caracterizaria um nível mais profundo do castigo. Dessa forma, há uma progressão entre palmada, surra e espancamento de acordo com a ineficácia do método, que muitos pais só percebem quando de fato constatam os danos na criança.

Outro fato a ser observado é a força empregada na punição física e o crescimento infantil. À proporção do desenvolvimento infantil, maiores são as forças físicas empregadas. Como é possível, então, delimitar o que seria uma agressão em um adolescente, por exemplo?

Portanto, a palmada é a parte inicial de uma escala progressiva para a agressão. Os princípios são os mesmos de um espancamento, que é o uso da força e da coerção para intimidar uma pessoa. É difícil delimitar onde termina um e quando começa outro. É fato que educar filhos não é uma tarefa fácil: ela é contínua, para a vida toda, requer investimento, observação, conhecimento, flexibilidade, criatividade e muitas outras habilidades. Realmente, modelar um comportamento adequado é mais trabalhoso, é muito cômodo aplicar uma punição física: é fácil, rápida e tem efeito breve. Porém, como foi descrito, trazem alguns efeitos indesejáveis e, além disso, podem ser substituídas por outras medidas menos danosas.

Quando o projeto de lei proíbe a palmada, está indo de encontro a pais que aprenderam na sua experiência de vida que esta é uma alternativa válida, coesa com seus valores e crenças. De fato, com a proibição vem o sentimento de incompreensão, revolta e desamparo quanto ao que fazer. O projeto vem fazer o papel punitivo tal qual a palmada: não ensina a melhor maneira de educar os filhos, mas apenas normatiza a regra.

O objetivo deste texto foi apenas descrever o outro lado das punições normativas, provocando uma reflexão diante dos pontos abordados. Não se pretendeu aqui apenas iniciar a discussão sem realizar uma orientação mais pormenorizada. No entanto, as alternativas no manejo de comportamentos inadequados serão abordadas na próxima oportunidade.

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[1] A título de curiosidade, na Bíblia Sagrada, Pv 23, 13-14, tem-se: “Não poupes ao menino a correção: se tu o castigares com a vara, ele não morrerá; castigando-o com a vara salvarás sua vida da morada dos mortos”. Um provérbio russo diz: “Ama as crianças com o coração, mas educa-as com tua mão” e um provérbio grego estabelece que “Quem não foi bem castigado com a vara, não foi bem educado”.

[2] O Projeto de Lei da autoria da Deputada Federal do PT Maria do Rosário foi proposta em 2003 e recentemente foi aprovada pela Câmara dos Deputados, faltando apenas a aprovação do Senado e da Presidente.

[3] Brandenburg, O.J.; Weber, L.N.D. (2005). Revisão de literatura da punição corporal. Interação em psicologia, v.9, n.1, p.91-102.
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Juliana de Brito Lima