Em diversos artigos que escrevi anteriormente, o tema mentira foi
abordado, por se tratar de um assunto extremamente importante nas questões que
permeiam as relações humanas. Este tema é relevante, não somente, no que se
refere ao relacionamento conjugal, na relação entre pais e filhos, como também,
em qualquer outro tipo de interação humana. Por exemplo, ao escrever sobre
sedução, a qual faz-se presente até na venda de um produto comercial, a honestidade
do vendedor ou do anúncio comercial é de extrema importância para que o produto
venha a ser consumido por longo prazo. Se a propaganda for enganosa ou se o
vendedor exagerar nas qualidades e nas funções de seu produto, o consumidor
poderá até comprar o produto da primeira vez, mas não voltará a comprá-lo em
outras ocasiões e, também, não o recomendará a outras pessoas.
Mentir é um comportamento verbal. As ações verbais têm uma
característica especial: elas atuam sobre o comportamento de outras pessoas,
levando-as se comportarem de determinadas formas. Este tipo de comportamento
difere do comportamento não-verbal, que tem efeito direto sobre o ambiente.
Quando fazemos um pedido, por exemplo, uma outra pessoa age por nós. Uma outra
forma de comportamento verbal é a descrição de fatos ou de aspectos do
ambiente. Descrevemos os eventos porque, geralmente, outras pessoas (ou nós
mesmos) se beneficiam com a descrição. Uma descrição pode corresponder ou não
com a realidade. A mentira é uma descrição que não retrata os fatos, a situação
ou o que fizemos de forma real. Por isso, considera-se o grau de
correspondência entre o dizer e o fazer como uma medida do quanto algo que se
diz é verdadeiro.
De forma geral, aprendemos a mentir quando criança, mas isto pode acontecer
em qualquer período da vida de uma pessoa. Há um período do desenvolvimento
infantil, em que as crianças não diferenciam a verdade da mentira: elas não
separam a realidade da fantasia.
Ao fantasiar, as crianças inventam personagens e estórias e, hoje em
dia, isto está sob grande influência dos meios de comunicação, como os
filmes, os desenhos animados e as novelas, às quais as crianças são
expostas de forma maciça.
Os comportamentos de criar fantasias e de brincar de faz de conta são
muito importantes para o desenvolvimento infantil, mas os pais devem estar
alertas para que pouco a pouco ensinem seus filhos a diferenciar o que é
realidade e o que é fantasia. Sempre que você estiver participando de
brincadeiras que envolvem fantasias, com uma criança, lembre de dizer que
aquilo é "faz de conta" e ensine a ela o que isto significa.
As crianças também aprendem a mentir por imitação. Um adulto pode
avaliar a gravidade e a relevância/irrelevância de uma mentira, mas uma
criança não. Por exemplo, se seu filho atender ao telefone e você disser a
ele para dizer: "Fala, que não estou"; "Fala, que estou
lavando lá fora", “Diga, que estou no chuveiro”, você pode estar dando uma
simples desculpa e adiando falar com a pessoa que ligou, o que pode não
ser grave ou relevante.
No entanto, você mentiu e seu filho teve que mentir também, e essa
experiência prejudica a educação dele.
Uma outra forma de induzir ou criar condições para que seu filho ou sua
filha venha a mentir, é estabelecendo regras muito rígidas de disciplina,
em que a punição severa é usada com freqüência. Você pode argumentar que,
se o meu filho fizer algo errado, ele deve ser punido. Certamente, devemos
estabelecer limites quanto àquilo que os filhos podem ou não fazer, mas se
ele correr o risco de ser punido de forma severa, ele tentará
esquivar-se, ocultando o que fez ou mentindo. E então, se você não
descobrir, ele poderá safar-se da punição, tendo vantagem por mentir.
Esta situação pode ser evitada se você não usar punições severas, como
surrar o seu filho. Quando ele disser a verdade, ele deve obter uma certa
vantagem em relação a quando mentir. Aproveite para conversar com ele
sobre o quanto é importante que ele diga a verdade e se você julgar
imprescindível uma punição, use uma punição mais leve, deixando muito
claro que essa punição é uma conseqüência por seu comportamento. Ou seja, diga
que você não gosta do que ele fez e nunca diga ou deixe que seu filho
entenda que você não gosta dele.
Verônica Bender Haydu
Professora da Universidade Estadual de Londrina
Doutora em Psicologia pela Universidade de São Paulo
Fonte: Blog Veronica
Bender Haydu