Os pequenos tiranos de hoje são resultado do encontro
de duas gerações sem limites, diz Tania Zagury, mestre em educação e autora de "Limites
Sem Trauma" (Record).
"Quem está criando filhos agora são os que já
tiveram liberdade na infância e estão frente a uma situação que não
vivenciaram: os filhos deles também querem fazer de tudo. A liberdade da
criança acaba tirando a dos pais."
Zagury fez um estudo com 160 famílias no início dos
anos 1990, quando já identificava o surgimento da tirania infantil. "Os
pais dos anos 1980 tinham sido criados de forma dominadora e queriam uma
educação liberal."
Entre os anos 1970 e 1980 a criança se tornou ator da
história, segundo Mary Del Priore, organizadora do livro "História
das Crianças no Brasil" (Contexto).
A tendência começou depois da Segunda Guerra. Ao mesmo
tempo, surgiram leis de proteção à infância, jovens ganharam visibilidade no
cinema e na publicidade e as famílias diminuíram.
"A mulher [que trabalha fora e começa a tomar
pílula] passa a querer ter menos filhos para criá-los bem. E a criança ganha
lugar como consumidora. Há uma transformação no papel dos pais", afirma a
historiadora.
CRISE DE AUTORIDADE
O problema é que a balança foi toda para o outro lado:
da rigidez à frouxidão, analisa o psicanalista Renato Mezan, professor da
PUC-SP. "Por um lado, é um avanço social, há mais diálogo na família e
mais decisões consensuais. Mas, por outro, os pais têm medo de exercer a
autoridade legítima. É uma crise de autoridade generalizada."
Há também uma inversão de papeis, segundo a pedagoga
Adriana Friedmann, doutora em antropologia e coordenadora do Nepsid (Núcleo de
Estudos e Pesquisas em Simbolismo, Infância e Desenvolvimento).
"Há uma 'adultização' precoce e, ao mesmo tempo,
um prolongamento da infância", diz. "Não dá para culpar só os pais.
Todos são vítimas da tendência sociocultural. As crianças estão expostas a um
grande número de estímulos e influências da mídia."
Para a psicanalista Marcia Neder, os pais se sentem
obrigados a mimar os filhos e há muitas exigências em torno de um ideal da mãe
perfeita. "Fica difícil dizer 'não' em uma sociedade que trata a criança
como um deus."
A blogueira Loreta Berezutchi, 29, sente na pele as
cobranças do que ela chama de "filhocentrismo". Loreta é mãe de
Catarina, 3, e Pedro, 5. O menino não dá muito trabalho, mas Catarina...
"Ela está sempre batendo o pé. Empaca quando não
quer sair de casa e quer escolher a roupa que vai usar. Às vezes, quer blusa de
frio no calor e é difícil fazê-la mudar de ideia", conta.
Além de comprar "as brigas que valem a pena"
com a filha (como não deixá-la viver só de bolacha e iogurte), Loreta tenta não
ser guiada pela concorrência que há entre mães blogueiras para ver quem é a
"mais mãe", ou seja, a que mais paparica sua prole (ela escreve no www.bagagemdemae.com.br).
"Na hora de apontar o dedo, todo mundo aponta.
'Ah, meu filho só come comida saudável e o seu toma refrigerante'. Você se
sente culpada por não ser o modelo de mãe que cozinha para o filho, dá água
mineral etc.", diz.
Ela admite que sua vida hoje gira em torno dos
rebentos e acha que faz parte do pacote. "Eu estava preparada para isso
quando decidi ser mãe. Mas faz falta ter uma vida social que não os
inclua."
Enquanto a criança ainda é um bebê, é normal que a
vida da família seja pautada pelas necessidades dela, de acordo com Zagury.
"Mas, a partir dos três, quatro anos não precisa ser assim. Os pais devem
dar proteção aos filhos, não sua própria vida."
MAMÃE EU QUERO
Encontrar o equilíbrio pode ser complicado quando a
criança tem entre dois ou três anos, aponta Friedmann. "Elas estão na fase
de se descobrirem como pessoas com identidade única. Nesse período, há uma
necessidade da afirmação do eu, por isso experimentam um jogo de força com os
adultos."
É fundamental os pais terem clareza sobre quais regras
vão impor aos filhos. Só assim conseguirão ser firmes.
"Os limites devem ser colocados na primeira
infância, quando se constroem as bases da personalidade", acrescenta
Friedmann.
A psicopedagoga Maria Irene Maluf, membro da
Associação Brasileira de Psicopedagogia, lembra que regras dão segurança.
"A opinião da criança não deve ser ignorada, mas ela não sabe escolher o
que é melhor para ela. Ninguém nasce autônomo."
No fundo, mesmo os mais rebeldes gostam de saber até
onde podem ir, complementa a também psicopedagoga Betina Serson. Para quem tem
um déspota mirim em casa, ela recomenda começar a disciplina estabelecendo uma
rotina (veja mais orientações ao lado).
"A ideia de que colocar limites pode ser danoso à
criança é 'idiota'", afirma Mezan. Segundo ele, a inexistência de regras
gera ansiedade dos dois lados.
"Qualquer renúncia ao prazer imediato passa a ser
vivida como uma frustração insuportável pela criança. Muitas vezes, porque seu
desejo é logo satisfeito, ela acaba valorizando pouco o que tem", afirma.
Fonte: Folha